A Rede Manchete teria 40 anos em 2023, ela foi inovadora em vários quesitos e deixou muita saudade, mas quem diria que seu dono não tinha nenhum interesse em investir na TV.
O jornalista Adolpho Bloch era ucraniano naturalizado brasileiro e tinha como paixão o conglomerado de comunicação que levava o seu nome, Bloch, na qual já possuía revistas e rádios. A revista Manchete, principal produto da editora Bloch, tinha uma tiragem de 200 mil exemplares por semana e não fazia muito tempo que estava dando lucros, então, o empresário não tinha nenhum interesse pela TV, mas os seus sobrinhos acreditavam que uma emissora seria uma grande ferramenta para a empresa, tal como foi para Roberto Marinho, dono da TV Globo.
Quando o governo caçou a concessão da TV Tupi, abriu concorrência para duas novas emissoras que ocupariam as faixas da Tupi, Excelsior e Continental, que também já não existiam mais. Assim, junto com a Bloch, o Grupo Silvio Santos e a Editora Abril disputavam os canais e Adolpho tinha a simpatia dos militares. Eles preferiam as suas publicações que faziam uma espécie de propaganda dos feitos do governo, do que as publicações da Abril, e o Oscar Siegelman, sobrinho do jornalista, era amigo do general Otávio Medeiros, do Serviço Nacional de Informações, então, os milicos acabaram dando uma mãozinha na decisão do presidente, de para quem dar o direito de utilizar as ondas eletromagnéticas com transmissões televisivas.
Esses três canais que foram fechados somavam 9 emissoras, das quais 4 delas ficaram com Silvio Santos e 5 com Adolpho Bloch. Tinha 1 no Rio de Janeiro, outra em São Paulo, outra em Belo Horizonte, outra em Fortaleza e outra em Recife, que são representadas pela logo, as bolinhas que se conectam e formam a letra M. No entanto, a Manchete cresceu e teve mais de 70 emissoras durante a sua existência, entre canais próprios e afiliadas.
Para a estreia da Manchete só nos Estados Unidos foram gastos 50 milhões de dólares, entre equipamentos e produções enlatadas, além de outros filmes e séries da Inglaterra que consumiram mais uma boa quantia de libras, e 800 profissionais foram contratados. O Silvio Santos conseguiu colocar a sua emissora no ar rapidamente, já os Bloch se programaram para estrear em setembro de 1982, mas não deu certo e precisaram adiar para novembro do mesmo ano, cuja tentativa também falhou e só conseguiram fazer a primeira transmissão no dia 5 de junho de 1983.
A Rede Manchete tinha equipamentos sofisticados e o público alvo da emissora era a classe alta. Em sua programação o jornalismo ganhou destaque, além de dar muita pauta para o esporte nacional e internacional. Grandes eventos como a Copa do Mundo e os jogos olímpicos, e coberturas especiais como a do carnaval, fizeram parte de suas transmissões. Mas, apesar de todo cuidado e investimento, no dia da inauguração, a primeira transmissão foi um discurso de Adolpho que ninguém ouviu, porque deu um problema no som e a imagem ficou muda.
O som foi corrigido, a fita rebobinada e Adolpho agradeceu um monte de gente, entre elas o Roberto Marinho, dono da Globo, de quem era amigo, depois teve um discurso do presidente, um show especial que quase empatou com o Fantástico na audiência e em seguida o filme Contatos Imediatos de Terceiro Grau que ganhou da Globo e ficou em primeiro lugar.
Na época, Maurico Sherman trabalhava na Band e foi convidado por Adoplho para dirigir a Manchete e revelou que quando assumiu o cargo, a emissora só tinha estúdios para jornalismo, porque a ideia inicial era produzir apenas programas jornalísticos e transmitir séries e filmes dublados. Então, ele pediu para usar um estúdio de fotografia da editora Bloch e um teatro que levava o seu nome para converter em estúdios para a TV e planejar uma linha de shows, pois pensava que ao contrário disso eles não seriam competitivos.
A primeira dramaturgia estreou já em 1984, foi a minissérie Marquesa de Santos, de 21 de agosto a 5 de outubro, gravada naquele estúdio de fotografia da Editora Bloch. Depois disso eles alugaram os antigos estúdios da Tupi e, mais tarde, converteram os depósitos de papel da Bloch, que eram grandes galpões na região Água Grande, no Rio de Janeiro, em um complexo de produção centralizando a fábrica de cenários, a produção de figurino, os camarins dos artistas e os estúdios de gravação.
O jornalismo ficou no prédio-sede da emissora, no Flamengo, e as novelas e outros programas foram para o complexo de estúdios. Três deles eram usados para as novelas e um para a linha de shows, o maior tinha uma área de 1960 m2 e foi imbatível até os anos 2000.
Mas mesmo antes do complexo de estúdios, Shermam conseguiu fazer programas de muita qualidade e inovadores. Em 1983, ele lançou a Xuxa, quem já conhecia como modelo, inclusive ele a queria comandando um programa infantil na Band, e como ela era contratada da Bloch e estava quase sempre na capa da revista, a convidou novamente para estrear o Clube da Criança.
Se ela não aceitasse ele convidaria a Monique Evans que também fazia muito sucesso no mundo da moda. Mas com a ajudinha do Pelé, namorado da modelo na época, a convenceram a gravar o programa que estreou no primeiro dia de programação oficial da emissora, no dia 6 de junho. Ou melhor, o programa estreou no dia 6, mas Xuxa assumiu o comando uma semana depois
Em 1984, estreou o FMTV, considerado o primeiro programa de videoclipes do Brasil. E na linha documentários e jornalístico a Manchete deu show, em 1985, por exemplo, teve a série Xingu, em 1989 estreou o Documento Especial, em 1992 o programa 24 Horas e Na Rota do Crime. Mas teve entretenimento leve também, como o programa Sula Miranda Show, a Vila do Tiririca e Sandy & Junior Show.
O gênero infantil estava em alta, tinha boa parte da programação das emissoras e a Manchete apresentou ótimos programas, como o inovador Clube da Criança com a Xuxa e na mesma época o Palhaço Carequinha apresentava o Circo Alegre. Ambos foram extintos em 1986, quando Xuxa mudou para a Globo, e então, estreou a Nave da Fantasia com a Simony, pelas manhãs, e Lupu Limpim Claplá Topo pela tarde, com Lucinha Lins e Claudio Tovar.
Ambos saíram do ar em meados de 1987, quando o Clube da Criança foi resgatado com a apresentação de Angélica, pela tarde. Ela imperou sozinha no gênero infantil até 1989, quando estreou o Cometa Alegria, com Patrick e Cinthya Rachel, pelas manhãs, eles ficaram até 1992, quando Duda Litlle estreou o Dudalegria, e ficou até 1996. Nesse período, o Clube da Criança trocou duas vezes de apresentadoras, em 1993 de Angélica para Mylla Christie e em 1994 de Mylla para Pat Beijo.
A Manchete foi a responsável por lançar Xuxa, Angélica, Pat Beijo e Debby na TV. Além de Carolina Ferraz como atriz... e outros tantos profissionais. E teve também em sua grade grandes nomes, como Clodovil, Costinha, Leda Nagle, Seu Boneco, Tiririca, Sandy & Junior... e tentou levar outros, como a Hebe, Faustão e Galvão Bueno.
emissora fez história com a dramaturgia. Em 21 de agosto de 1984, foi ao ar a minissérie Marquesa de Santos, com Maitê Proença, gravada nos estúdios improvisados da emissora. Depois dessa passaram outras 20. Viver a Vida, de Manoel Carlos, o mesmo nome da novela que ele escreveu para a Globo. Joana, Santa Marta Fabril S.A., Tudo em Cima, Tamanho Família, A Rainha da Vida, Fronteiras do Desconhecido, Escrava Anastácia, O Canto das Sereias, Mãe de Santo que apresentou o primeiro beijo homossexual na TV, em 1990. Depois, Rosa dos Rumos, Filhos do Sol, Ilha das Bruxas, O Farol, Na Rede de Intrigas, Floradas na Serra, O Guarani que lançou Angélica como atriz. O Fantasma da Ópera, Família Brasil e Incrível, Fantástico, Extraordinário.
As novelas estrearam um pouco mais tarde, a primeira foi Antônio Maria, que entrou no ar em 1 de julho de 1985 e ficou até 23 de novembro do mesmo ano, mas não teve boa audiência e nem repercussão. A segunda tentativa aconteceu em 1986, com Dona Beija, e conseguiu bons números de audiência, além de se tornar assunto em rodas de conversa no país.
Ainda em 1986, estreou Novo Amor, e em 1987, tivemos Tudo ou Nada, Mania de Querer, Corpo Santo e Helena. Em 1988 estreou Carmem. Em 1989, Olho por Olho e Kananga do Japão que foi até então o maior investimento da emissora e conquistou ótimos índices de audiência. Seguida por Pantanal que estreou em 1990 e fez um enorme sucesso, obrigando a Globo a mexer em sua grade de programação. A novela é apontada como uma forma inovadora de fazer teledramaturgia, com longas cenas de natureza exuberante, conversas lentas e música instrumental de fundo.
Foi substituída no final do ano por A História de Ana Raio e Zé Trovão que ficou um ano no ar. A intenção da direção era manter o mesmo índice de audiência e resolveu mostrar o Brasil de norte a sul, tinha uma linha a ser seguida, mas os capítulos eram escritos de acordo com o que a produção encontrava por onde passava. Foi substituída em 1992 por Amazônia que tinha a pretensão de recuperar a audiência de Pantanal, mas falhou porque a trama se passava no passado e no futuro simultaneamente, ficou confusa e teve que ser readequada. Estreou então a Amazônia Parte II, centrando-se somente na ambientação do passado com alguns personagens a menos, mas não adiantou, o índice de audiência ficou na média de 2 pontos.
Em 1993, a emissora preparava uma produção mais enxuta baseada no impeachment de Fernando Collor de Melo, chamada O Marajá, mas ele se sentiu ofendido e entrou com um recurso para impedir a novela de ir ao ar. Nessa fase a Manchete estava em uma profunda crise e os capítulos eram gravados com apenas uma câmera, até mesmo o carro de uso de Adolpho Bloch foi usado nas gravações para economizar. Com o cancelamento do folhetim, estreou Guerra sem Fim com o mesmo elenco de O Marajá.
A equipe tinha que pedir permissão para os traficantes dos morros do Rio de Janeiro para gravar no local. Em 1994 ela foi substituída por 74.5 Uma Onda no Ar. O diferencial dessa novela, é que ela foi feita de forma independente, ou seja, não era uma produção da Manchete. E depois dela, a direção teve a ideia de construir uma empresa independente para as produções futuras, a Bloch Som e Imagem, assim conseguiriam trabalhar melhor o investimento sem misturar as contas.
Em 1995, estreou Tocaia Grande. E em 1996, Xica da Silva que recuperou os bons índices de audiência da emissora. Mas essa novela gerou uma novela na vida real porque foi escrita por Walcyr Carrasco, só que ele era contratado do SBT como consultor de teledramaturgia, mas como não tinha espaço para escrever para a emissora usou o pseudônimo de Adamo Angel, e foi anunciado para a imprensa como um escritor esotérico e muito reservado. De fato, ele não aparecia e só dava entrevistas via fax. Conseguiu esconder a sua identidade até a fase final da novela.
Em 1997, estreou Mandacaru, que fez a emissora declinar na audiência outra vez e foi substituída por Brida, em 1998, a polêmica novela que não teve fim. A direção resolveu usar uma estratégia arriscada, propondo um contrato com os patrocinadores para uma meta de pelo menos 5 pontos de audiência, caso contrário, os patrocínios iriam ser cancelados, a expectativa era chegar aos 10 pontos, mas não passou dos 2.
O horário eleitoral gratuito para as Eleições foi apontado como responsável pelo baixo Ibope. Depois o diretor Walter Avancini trocou o autor e incluiu cenas eróticas, como já havia feito em Tocaia Grande, aliás, praticamente todas as novelas da Manchete tinham muitas cenas de nudez sexo e em Brida teve até cenas de nudez frontal, mas não deu certo, a emissora endividada deixou de pagar o elenco e técnicos que entraram em greve e a novela terminou repentinamente em um resumo narrado.
Em relação as crises, em 1985, com dois anos de existência, os prejuízos da Rede Manchete já eram evidentes, chegava a milhões de dólares. Em setembro de 1986, teve a primeira greve de funcionários devido aos salários atrasados. E a primeira grande demissão da emissora aconteceu em julho de 1987.
Em 1988, Adolpho Bloch quis vender a emissora, mas as negociações não vingaram, e em 1992, a IBF assumiu 49% das ações, no entanto, em abril de 1993 teve a sua gestão cassada pela justiça e ouve outra greve de funcionários que tinham os salários atrasados em seis meses, eles interromperam a programação e transmitiram avisos de que estavam sem dinheiro.
Adolpho faleceu em 1995 e seu sobrinho Pedro Jack Kapeller assumiu a presidência da emissora. Em 1998 foram demitidos 540 funcionários e outra grande greve interrompeu a programação do canal. Em janeiro de 1999, a Manchete foi arrendada para a Igreja Renascer em Cristo, porém em fevereiro do mesmo ano, o Grupo Bloch rompeu com a igreja, alegando o descumprimento de cláusulas contratuais.
Em maio, faltando poucos dias para o vencimento de suas concessões e a sua extinção iminente, o grupo TeleTV, de propriedade de Amilcare Dallevo e Marcelo de Carvalho, adquiriu depois de muitas negociações, somente as concessões da Rede Manchete, e não a emissora. O negócio foi analisado e aprovado pelo governo e Pedro Jack Kapeller recebeu 4,5 milhões de dólares pela venda das concessões. Em 10 de maio a Rede Manchete fez as suas últimas transmissões, já no dia 11 a logo não era exibida e alguns dias depois a sua programação passou a levar a identificação provisória de TV!, até a inauguração de sua sucessora, a RedeTV!, em 15 de novembro do mesmo ano.
Curiosidades.
A transmissão do carnaval, que a Globo tem os direitos hoje em dia, nem sempre foi assim. O Sambódromo da Marquês de Sapucaí foi inaugurado em 1984 e a Globo era contra, mas a Rede Manchete transmitiu o desfile a partir daquele ano e alcançou o primeiro lugar em audiência, depois disso a Globo engordou o olho.
Mesmo em crise, com dívidas altas, a Manchete sempre encontrou uma forma de apresentar bons conteúdos. Os Tokusatsus, por exemplo, que alavancavam a audiência do Clube da Criança foram oferecidos pelo empresário Toshihiko Egashira que não cobrava pelos episódios, eles eram cedidos em troca de publicidade dos produtos que ele desenvolveu sobre as séries e fez muito sucesso na TV. começou com Jaspion e Changeman, depois teve Flashman, Cybercop, Jiban, Jiraiya, Kamen Rider Black, Lion Man, Patrine, Solbrain, Spielvan, Ultraman e Winspector.
Uma estratégia parecida aconteceu com a série Cavaleiros do Zodíaco, a empresa que tinha o licenciamento do desenho cedia os episódios para a emissora em troca de publicidade dos produtos sobre os personagens e alavancou outra vez a audiência do canal, sobretudo o Clube da Criança com Pat Beijo.
Propôs o modelo de produção independente para o Clube da Criança, tendo Mylla Christie experimentando o formato. Permitiu uma NOVELA de produção independente em sua grade e planejava várias produções na área da dramaturgia que seriam totalmente inovadoras, como uma história moderna sobre Jesus Cristo e seus apóstolos para substituir Pantanal. Beeeem antes da Record pensar em algo parecido.
Em 14 de outubro de 2021, foi realizado um leilão online onde foram arrematados a marca e o nome da Rede Manchete e o arquivo com mais de 25.000 fitas por cerca de R$ 500,5 mil. O leilão estava dividido em três lotes: a marca da extinta emissora, registrada no Inpi, o arquivo de fitas de telenovelas e minisséries e outro arquivo com fitas de programas diversos como jornalísticos e infantis. Avaliado inicialmente em R$ 3 milhões, o arquivo de fitas de telenovelas saiu por R$ 240 mil. A marca "TV Manchete", que estava avaliada em R$ 124,1 mil, foi arrematada por R$ 200,5 mil. Já o arquivo de programas diversos, antes avaliado em R$ 626 mil, foi arrematado pelo lance mínimo, de R$ 60 mil.
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