Rainha da Sucata


Em 1990, a TV Globo completou 25 anos, era novinha, mas já era líder de audiência há muito tempo e José Bonifácio de Oliveira, o Boni, pediu que Silvio de Abreu escrevesse uma novela para celebrar as bodas de prata da emissora. A razão do convite ser feito a Silvio é porque a direção não queria mais tramas tão dramáticas no horário nobre e Silvio de Abreu era experto em escrever comédias.

Tieta estava em pleno andamento, e Silvio de Abreu pensou primeiro nos atores com quem queria trabalhar para depois escrever os seus personagens. Essa foi a sua primeira novela do horário nobre, que na época era às 20h30. Ele conseguiu apresentar uma sinopse em um mês tendo quase todas as grandes estrelas da Globo como parte do elenco, mas atrasou a entrega dos capítulos devido a problemas de saúde na família e contou com a ajuda de Gilberto Braga que escreveu nove capítulos. 


Rainha da Sucata estreou no dia 2 de abril de 1990, como a cereja do bolo das comemorações dos 25 anos da TV Globo. Foi escrita por Silvio de Abreu, com direção geral e de núcleo de Jorge Fernando. Teve as atuações de Regina Duarte, Glória Menezes, Tony Ramos, Antônio Fagundes, Renata Sorrah, Daniel Filho, Aracy Balabanian e Claudia Raia nos papéis principais.

A trama ambientada em São Paulo, retrata o universo dos novos-ricos e da decadente elite paulistana, contrapondo duas personagens femininas distintas, a emergente Maria do Carmo Pereira, vivida por Reginda Duarte, e a socialite falida Laurinha Figueroa, vivida por Gloria Menezes, apaixonada pelo seu enteado Edu, vivido por Tony Ramos.

Maria do Carmo, era apaixonada por Edu desde adolescente, mas desprezada por ele por ser filha de um sucateiro. No entanto, enriquece, o país entra em recessão e os ricos em falência. Dessa forma, ela consegue praticamente comprar o rapaz para chama-lo de seu, mas não consegue o seu amor.

Maria do Carmo enriqueceu com os negócios de ferro-velho do pai, comprou um prédio na Avenida Paulista, no qual fundou uma concessionária, a Do Carmo Veículos, além de uma casa de shows, a lambateria Sucata, mas não perdeu os hábitos simples e continuou morando no bairro de Santana, na zona norte, com o pai e a mãe Neiva até se casar e mudar para a mansão dos Figueiroa.


Laurinha simplesmente desprezava Maria do Carmo, mas aceitou o casamento com seu enteado porque ela seria a salvação da família. A sucateira, como lhe chamavam, era de personalidade forte, meio grossa, e desprezada também pelo marido, humilhada a ponto de perder a cabeça e disparar contra ele ao ser rejeitada.


A novela precisou passar por ajustes porque começou com um tom excessivo de comédia e não agradou o público que reclamava também que os personagens gritavam demais, Maria do Carmo, sobretudo, era muito estridente, além de ter personagens em excesso. Então, Silvio de Abreu reduziu a comédia, aumentou o drama, e definiu bem cada núcleo, o de humor, de drama, de romance...

E se era drama que o público queria, Silvio de Abreu deu drama. Maria do Carmo foi presa, roubada pelo sócio, perdeu o edifício da empresa, voltou a vender sucatas e conseguiu se reeguer.

Ele colocou os ricos da novela todos falidos, porque na época o presidente Fernando Collor de Melo bloqueou o dinheiro de todo mundo que tinha conta em banco. Inclusive, muita gente achou que a Globo sabia do plano do presidente porque o tinha apoiado nas eleições de 1989, e não avisou ninguém, mas na verdade quando o confisco da poupança aconteceu, a novela que já estava sendo gravada, ainda não tinha estread, então, Silvio de Abreu reescreveu alguns capítulos e algumas cenas foram regravadas para atualizar a situação dos personagens com a situação real do país.


A vilã Laurinha teve seu desfecho 8 capítulos antes do fim da novela. Ela se jogou do prédio da Sucata, depois de arrancar um brinco de Maria do Carmo, na tentativa de incrimina-la pela sua morte. Apesar da produção ter montado um esquema de segurança para que a imprensa não descobrisse nada antes, não deu muito certo, porque um dia após a gravação, uma foto da sequência estampou a primeira página do jornal O Globo dizendo que Laurinha estava morta. O autor então, escreveu três finais diferentes para manter o segredo sobre o fim de Maria do Carmo.


A fachada da sede da Sucata era um prédio real na Avenida Paulista, de esquina com a alameda Ministro Rocha Azevedo, e se tornou um ponto de referência na cidade. Uma coisa que me encantava em Rainha da Sucata era a mesa de trabalho da Maria do Carmo, que era a frente de um carro. Tudo o que estava relacionado a personagem era exagerado para representar o quanto ela era brega, desde as suas roupas... mas nesse caso, da mesa, eu achava o máximo e sonhava ter uma mesa de trabalho similar.


Rainha da Sucata foi a primeira novela em que a saudosa atriz Aracy Balabanian interpretou uma personagem cômica. Sua personagem tinha sido pensada para a também saudosa Nair Bello e se chamaria Dona Giovana, uma italiana, mas seu contrato com o SBT não chegou ao fim a tempo de começarem as gravações na Globo. Então Silvio de Abreu lembrou de Aracy, que aceitou na hora o papel, e passou a ser chamada Dona Armênia porque ela é filha de armenos e conhecia o sotaque e saberia bem como interpretar a personagem.

O que o autor queria é que ela trocasse o gênero dos filhos, que eram três homens adultos, para soar engraçado. E foi a primeira vez de Antônio Fagundes também no humor, foi dele a ideia de o personagem ser gago. Aí um dia o Caio bate a cabeça e perde a gagueira... o público reclamou tanto, que Silvio de Abreu fez ele gaguejar de novo dois capítudos depois.


Antônio Fagundes fazia par romântico com Claudia Raia que engordou dez quilos para interpretar a personagem Adriana. Ela chegou a dizer que estava difícil manter o peso e, então, Silvio de Abreu escreveu cenas cômicas dela tentando emagrecer, em uma delas a bailarina se enrrolava em um plástico PVC para queimar calorias.


Foi a primeira novela de Marisa Orth, que interpretou a Nissinha, filha do seu Moreiras que dizia ter uma filha biscate. Ela fazia parte de um núcleo hilário.

Além dessas inovações, em matar a vilã antes do final e dar personagens cômicos para atores de drama, Rainha da Sucata foi a responsável pela alteração em alguns padrões técnicos das novelas da Globo. No decorrer da trama, os capítulos foram ficando mais longos com o objetivo de amenizar o impacto que a novela Pantanal causava nos programas posteriores.

Outra alteração foi a extinção das cenas dos próximos capítulos que serviam basicamente para mostrar as músicas da novela, porque as cenas eram mudas com um fundo musical. Mas essas cenas só eram apresentadas depois do intervalo comercial após o fim do capítulo do dia, e nesse momento os telespectadores mudavam para a Manchete e não voltavam, então a novela acabava no ápice e imediatamente entrava o programa seguinte sem intervalos.

O lado feio dessa atitude da emissora, é que a intenção, ao esticar os episódios, era empurrar a novela Pantanal para mais tarde porque assim a emissora perderia publicidade. O Boni era um gênio, mas também era cruel.

A vinheta de abertura de Rainha da Sucata é uma das mais icônicas da história da TV. É um boneco, que se forma a partir de sucatas, dançando lambada com um grupo de moças e rapazes ao som de Me Chama Que Eu Vou de Sidney Magal. Já fazia oito anos que ele não lançava nada expressivo e quando a gravadora mostrou a música para a produção da novela, lhe avisaram que não seria tema de nenhum personagem, seria tema de abertura. E serviu como uma luva.

Gloria Menezes tinha o nome alternado com o de Regina Duarte a cada dia, como o primeiro a aparecer, na vinheta de abertura. As duas dividiam o protagonismo da novela.


A novela teve três álbuns musicais. A trilha sonora nacional teve a atriz Claudia Raia na capa. Além de Me Chama Que Eu Vou, Foi Assim, de Vanderleia, tocou bastante na rádio, e Coração Pirata, do grupo Roupa Nova também ficou no topo das paradas de sucesso por muito tempo.


A trilha sonora internacional teve a atriz Claudia Ohana na capa. As músicas Into My Life de Colin Hay, Rebel In Me de Jimmy Cliff, Come Back To Me de Janet Jackson, Forever de Kiss, Send Me An Angel de Real Life, e Blue de Geoffrey Willians, fizeram mais sucesso.


E teve o álbum Lambateria Sucata com vários artistas que estavam fazendo sucesso com o ritmo do momento. Tem Beto Barbosa, Fafá de Belém, Angela Mattos, Banana Split...

Rainha da Sucata chegou ao fim no dia 26 de outubro de 1990, totalizando 179 capítulos. A média geral de audiência foi de 61 pontos no IBOPE. Foi reprisada pela primeira vez em 1994, no Vale a Pena Ver de Novo, com 34 capítulos a menos do que a exibição original.

Em 2013, foi exibida na íntegra no canal Viva. Em setembro de 2015, foi lançada em formato DVD pela Loja Globo, em um box contendo 12 discos. E em outubro de 2024, foi disponibilizada na íntegra no Globoplay, através do Projeto Resgate.

Curiosidades.

A trilha nacional teve uma edição diferente lançada em Portugal, quando a novela estreou por lá, em 1991. O disco teve duas faixas a menos, 12 no total, das quais, sete coincidem com a edição brasileira, e as outras cinco são do álbum Lambateria Sucata. Ou seja, Roupa Nova, Marina Lima, Maria Bethânia, Gal Costa, Legião Urbana, Ritchie, e, Paralamas do Sucesso, não tiveram suas músicas autorizadas para venda no exterior.

Enquanto Rainha da Sucata estava no ar, a Globo produziu uma minissérie de autoria de Silvio de Abreu, a Boca do Lixo, que ele tinha escrito em 1989. Mas ainda assim, deixou a novela nas mãos de Alcides Nogueira para se dedicar ao curto folhetim.

Para gravar a cena da morte de Laurinha, um boneco com o peso aproximado de Glória Menezes, e vestindo a mesma roupa que ela usava, foi atirado do último andar do prédio.

Alaíde, personagem de Patricia Pillar, e sua mãe, a dona Lena, personagem de Lolita Rodrigues, trabalhavam na mansão de Laurinha e não viam a hora de se livrar da rica falida que lhes explorava muito. O meio que encontraram de começar uma vida nova foi participar de uma campanha dos caldos Maggi, que estava dando uma casa através do Domingão do Faustão, e elas foram sorteadas.

Maria do Carmo ensina uma grande lição de empreendedorismo em um capítulo, onde sua mãe, a Dona Neiva, personagem de Nicete Bruno, foi visita-la na prisão e disse que estava pensando em abrir um restaurante no bairro com a dona Lena. Mas como sempre só cuidou da casa, nunca tinha trabalhado em nenhuma empresa, tão pouco estudado economia, ou algo do tipo, não sabia se seria capaz de coordenar um restaurante. A resposta de sua filha foi sensacional, ela disse que administrar uma empresa, era o mesmo que cuidar da casa e isso ela sabia fazer muito bem. Fica a lição.

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