O drama das novelas de 1990

A história das telenovelas de 1990 começou a ser escrita em março. Isso em relação a história mesmo, porque as sinopses de algumas dessas tramas começaram a ser produzidas bem antes. É o caso da novela Pantanal de Benedito Rui Barbosa que já estava pronta desde 1983 e chegou a entrar em fase de pré-produção para estrear na Globo em 1984, mas não foi para frente devido as condições do Pantanal mato-grossense que não propiciavam as gravações na época. Depois, em 1990, a mesma trama foi produzida pela Rede Manchete e mudou o jeito de fazer novela no país.

Pantanal estreou no dia 27 de março, e os detalhes sobre a trama você pode ver em um post e vídeo que eu fiz exclusivamente sobre a novela.

A Globo durante muitos anos manteve uma programação diferente nos meses de janeiro, fevereiro e março e contava com muitas reprises. A grade oficial do ano começava sempre em abril, que é quando a emissora faz aniversário. Então, no dia 2 de abril, estreou Rainha da Sucata como o principal produto da dramaturgia em comemoração aos 25 anos da TV. Ou seja, poucos dias depois de Pantanal, e apesar de muita gente dizer que a novela da Manchete roubou o IBOPE dos Marinhos, a novela das 20h não passava no mesmo horário. A emissora do Adolpho Bloch esperava acabar o folhetim da concorrente para começar o capítulo do dia, ou seja, ia ao ar depois das 21h30.

É o que o SBT ainda faz nos dias de hoje, o Ratinho segura as pontas até acabar a novela na Globo para começar o folhetim do SBT.  Mas Pantanal tirava a audiência da faixa de shows que tinha depois da novela das 8h na Globo e a emissora precisou elaborar uma estratégia para recuperar os telespectadores que haviam migrado. Primeiro a direção pediu para Aguinaldo Silva escrever alguma coisa para colocar no mesmo horário de Pantanal, e ele, em conjunto com Marcia Prates, escreveu Riacho Doce.

Aguinaldo teve como base o livro Riacho Doce de José Lins do Rego, de 1939. E foi adaptado a toque de caixa. A trama em 40 capítulos usou a mesma estratégia de Pantanal, com cenas longas de natureza, muitos corpos nus... com a diferença de que a Manchete deixava aparecer algumas coisas que a Globo não permitia. A novelinha que era chamada de Série Brasileira foi gravada em Pernambuco, partes no arquipélago Fernando de Noronha e partes na praia Carne de Vaca em Goiana.

Acabando Riacho Doce, a Globo estreou uma minissérie de 5 capítulos chamado La Mama, com Dercy Gonçalves e Cesar Filho, que, assim como Riacho Doce, foi outra adaptação, era uma obra de 1957. E logo em seguida, no dia 15 de outubro, estreou a novela Araponga que falava de espionagem. O Araponga era um detetive particular que investigava o caso de um senador que morreu em um quarto de motel, onde supostamente daria uma entrevista. Araponga é uma ave que tem um canto muito forte, com um som metálico, e detetives precisam ser discretos, o que não era o caso, então, um detetive que tinha o codinome de araponga é bastante contraditório, ou seja, assim como Rainha da Sucata, esse folhetim seguiu o padrão comédia para fazer novela.

Araponga foi escrita por Dias Gomes, o mesmo autor de Saramandaia, com a intenção de substituir Rainha da Sucata. Ou seja, a novela que seria a substituta do horário das 8h, que na época começava 8h30, passou para o horário das 9h30, para competir com Pantanal. Então, a direção da Globo encomendou outro folhetim para Cassiano Gabus Mendes, que escreveu Meu Bem Meu Mal. Como quase todos os atores do casting da Globo já estavam ocupados ou reservados para trabalhos prestes a começarem a ser produzidos, a produção da novela saiu catando todo mundo que estava disponível no momento.

Silvia Pfeifer ficou com o papel de vilã, ela tinha estreado como atriz no mesmo ano, numa minissérie de 8 capítulos, A Boca do Lixo, então ainda estava bem crua como atriz. E parece que a trama não agradou muito, teve excessos de apelos e palavrões, ou seja, o nível caiu.

Todo esse remanejamento de novelas, e obras escritas às pressas foi só para tirar a audiência da novela Pantanal que seguia com a corda toda. Aliás, muita coisa convergia em prol de Pantanal, ou era consequência da novela, ou até alguma coisa que vinha do inconsciente coletivo mesmo. Por exemplo, naquele ano o cenário do Clube da Criança, o mais lindo de todos, era uma floresta. A ambientação do Xou da Xuxa também era uma floresta, e a música Boto Rosa, do disco Xuxa 5, tinha cara de Pantanal, apesar de o boto ser característico dos rios da Amazônia. Enfim, a natureza estava em alta.

Até o Ping Pong lançou um álbum para colecionar as figurinhas sobre o Pantanal que vinham no chiclete, e Os Trapalhões, fizeram uma sátira da novela, a Espantanal. Um feito, porque a Globo sempre brincava só com os programas da própria emissora para não divulgar a concorrente.

Então, a Rede Manchete surfou bonito nessa onda do Pantanal, muitas coisas pegaram carona, mas a novela chegou ao fim, e para substitui-la, aconteceu algo similar ao que a Globo fez com Rainha da Sucata, produziu um folhetim meio nas coxas.

Jayme Monjardim que era o diretor de Pantanal teve a ideia de fazer uma novela que explorasse várias regiões do Brasil e sugeriu que a trama girasse em torno de uma comitiva de rodeios. Marcos Caruso e Rita Buzzar, com a colaboração de Jandira Martini ficaram responsáveis por escrever os capítulos, que eram escritos no percurso da comitiva que ia de um lado para o outro, assim nasceu A História de Ana Raio e Zé Trovão.

A novela teve como protagonistas a Ingra Liberato e o Almir Sater que estavam em Pantanal. Ela havia feito uma participação e ele saiu antes do fim da trama para começar a gravar o Zé Trovão. A trama estreou no dia 12 de dezembro e fez história também, mas caiu um pouco no IBOPE.

Além dessas novelas que foram históricas, tinha ainda na Globo a Barriga de Aluguel, de Glória Perez, no horário das 6h, que era uma história muito à frente do seu tempo. Se tratava do drama de duas mulheres, uma que alugou a barriga para gerar o filho da outra que não podia engravidar, mas se apegou ao bebê e não queria entregar a criança.

Foi uma novelaça que ficou quase 10 meses no ar. Para você ter uma ideia, em 1990 tiveram outras duas novelas às 6h. O Sexo dos Anjos, que estreou em setembro de 1989 e acabou em março de 1990, ou seja, teve 6 meses de duração e Gente Fina, que estreou em março e acabou em agosto, com 5 meses de duração. Quer dizer, o horário das 6h, diferente do das 8h, não andava bem das pernas para o padrão da Globo. Já no horário das 7h as coisas pareciam estáveis, o ano começou com Top Model, que a propósito foi muito boa, seguida por Mico Preto, e acabou com Lua Cheia de Amor que se estendeu até 1991.

Não foi só a Manchete e a Globo que sofreram essa reviravolta em sua programação, pois o SBT também teve que fazer alguns ajustes. Aliás, o SBT desde que estreou passa por isso o tempo todo, faz parte da história da emissora mudar tudo de uma hora para a outra sem aviso prévio. Foi assim com a novela Brasileiras e Brasileiros, que apesar de ter em seu elenco atores como Edson Celulari, Ney Latorraca, Rosi Campos, Marcelo Serrado e Isadora Ribeiro, a trama não vingou, apesar de, assim como Barriga de Aluguel, estar à frente do seu tempo. Explico.

As telenovelas retratavam basicamente um mundo surreal para a grande maioria dos telespectadores, ou seja, havia uma diferença abismal entre ricos e pobres, e a classe baixa consumia basicamente imagem, porque não tinha acesso aos produtos, à pseudo realidade apresentada nas tramas de TV. Brasileiras e Brasileiros tinha como protagonistas, pobres, como a Record e a Globo resolveram mostrar nas novelas depois dos anos 2010. Mas na época não deu certo, então o folhetim estreou às 18h, mas devido a baixa audiência mudou para 18h30, depois 17h45, em seguida para às 19h, e quando acabou estava passando às 20h, além de ter sofrido uma mudança completa na trama.

Outra novela, nesse caso é uma minissérie, que não rendeu muito no ano, mas entrou para a história, foi Mãe de Santo, na Manchete. Que não tinha episódios lineares, uma história consecutiva, eram eventos isolados. No quarto episódio, dedicado ao orixá Ossãe (também conhecido como Ossanha), a minissérie narrou a história de Lúcio e Rafael, um casal homossexual interpretado pelos atores Raí Alves e Daniel Barcellos, que protagonizaram o primeiro beijo entre homens da história da televisão aberta brasileira.

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