Morando em Barcelona, interruptamente, desde fevereiro de 2018 eu já me acostumei com a naturalidade que os espanhóis e pessoas de alguns outros países que por aqui passam lidam com a nudez. A Espanha tem muitas praias de nudismo e pelo menos os residentes desse território ibérico se sentem muito a vontade nus, também, nos vestiários das academias. Mas é claro, que vez ou outra, alguma coisa chama a atenção, como por exemplo um transexual que se dá o direito de vivenciar a liberdade tal como a grande maioria cisgênero presente na areia.
Divido em três as experiências com essas pessoas, e cada uma delas, apesar de ter uma similaridade, a reação fica mais tênue com o tempo.
A primeira vez que vi uma mulher trans, nua, foi em areias brasileiras, na praia do Pinho, em Santa Catarina. Lembro com detalhes daquela distinta senhora sentada em sua cadeira de praia, ao sol, como todos que lá estavam. Ou melhor, a cadeira era para poucos, mas quem se fazia presente sim que se bronzeava. Bem, ela poderia passar apenas como mais uma das tantas mulheres daquele dia, naquele balneário, não fosse o seu pênis que roubou a cena enquanto caminhava em direção ao mar.
Eu já tinha visto outros órgãos similares, lá mesmo inclusive, naquele dia, mas num corpo como aquele, não. Foi chocante em princípio, mas em seguida tive vontade de aplaudí-la, porque ela tinha o direito de estar lá, nua, e o usou tranquilamente.
Já em Barcelona, eu vi mais de uma vez uma mulher linda, com um corpo escultural, perfeito. Aliás, até de mais, e esse excesso de perfeição me chamou a atenção e me fez perceber que se tratava de uma mulher trans. Enquanto eu apenas a admirava, uma amiga que estava junto soltou um "joder" (roder/hoder), que em língua castelhana é similar a "caralho". Eu me senti feliz por ela, de verdade.
E a terceira vez que estive perto de uma pessoa trans foi ao fim do dia de um domingo, quando os banhistas já começavam a voltar para as suas casas e a areia ganhava mais espaço entre os que continuavam por lá. Havia um homem de frente para o mar, de costas para mim, e seria apenas mais um homem nu que eu provavelmente esqueceria logo em seguida, mas ao voltar para o seu parêo (como chamam o tecido que cobre o chão) não tinha como não perceber que lhe faltava algo, o pênis.
E da mesma forma que aquela senhora da praia do Pinho não era menos mulher por ter pênis, esse senhor da praia de Marbella não é menos homem pela falta do falo. Ou seja, não é a genitália que define a pessoa, é a essência, é como ela se identifica e como age.
Muita gente aceitando ou não, precisam se acostumar com o fato de que existem mulheres com pênis e homens com vagina, isso é uma realidade e não de agora. Eles apenas estão exercendo os seus direitos, entre tantos, o de liberdade que precisaram esperar tanto tempo para poder vivenciá-lo.
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