Como Silvio Santos salvou o SBT em 1990


Silvio Santos, como ele mesmo disse algumas vezes, não queria ser dono de Televisão, só queria apresentar o seu programa de domingo, mas acabou encontrando alguns entraves nas emissoras pelas quais passou, até que decidiu abrir a sua própria. Conseguiu a primeira concessão em 1975 e inaugurou a TVS em 1976, que serviu de base quando ele ganhou as concessões que lhe permitiram criar o SBT, em 1981.


Silvio Santos conseguiu manter o SBT funcionando por muito tempo com um jeitinho bem peculiar. A emissora é famosa pela troca constante dos programas na grade, que saem e voltam, ou simplesmente são trocados de horários. Diferente da estratégia da Record que resolveu plagear a programação da Globo para fazer concorrência, o SBT conseguiu, em algumas ocasiões, chegar muito perto ou passar da toda poderosa com uma programação distinta. E das vezes que tentou fazer igual não se deu bem.

O SBT já passou por várias grandes crises, a primeira foi logo nos primeiros anos de existência, entre 1982 e 1983, quando lutava para conseguir se estabelecer entre as já operantes Globo e Band, depois, em 1990, viu seus cofres se esvaziarem a medida que os telespectadores e os anunciantes abandonavam o canal na faixa de novelas e quase entrou em falência completa.


A primeira teledramaturgia do SBT estrou no dia cinco de abril de 1982, a novela Destino. Apesar de aparecer na lista de telenovelas da emissora, a trama durou dois meses, e as seguintes produções também tinham entre dois e três meses, até 14 de novembro de 1983 quando estreou Vida Roubada que teve duração de sete meses. Depois disso teve Meus Filhos Minha Vida que durou oito meses, Jerônimo com quatro meses, Jogo do Amor com cinco meses e Uma Esperança no Ar com seis meses.

Essa última acabou no dia 15 de fevereiro de 1986, coincidente no mesmo dia que acabou a novela mexicana Soledad, e a emissora ficou sem novelas por nove meses, quando voltou a exibir outras duas produções mexicanas, a segunda acabou em três de abril de 1987, e só em outubro de 1989, ou seja, dois anos e meio depois, contando com as novelas mexicanas, e três anos e oito meses depois da última produção brasileira, é que os folhetins voltaram para a grade do SBT.

Bom, essa janela sem novelas se reduz se levar em consideração as reprises, o SBT sempre se valeu muito disso. Até o retorno da teledramaturgia na emissora foi um ano e 10 meses sem exibição de nenhum folhetim. A volta das novelas aconteceu em outubro de 1989, quando Silvio Santos entrou em um acordo com a produtora Art Vídeo Produções que ficou responsável por produzir uma novela de forma completamente independente arcando com o contrato dos artistas, aluguel de estúdios e equipamentos.

Ou seja, o SBT não investiu absolutamente nada, apenas exibiu e cuidou da divulgação da novela e ficou com 50% do lucro. A trama foi Cortina de Vidro, primeira obra de Walcyr Carrasco, que contou com vários artistas da Globo, como Herson Capri, Betty Gofman, Esther Góes, Antônio Abujamra, Débora Duarte, Sérgio Mamberti, Norma Blum e Sandra Annenberg.

A Globo não gostou nada de ver seus artistas em uma novela na concorrente e fez uma alteração no contrato dos artistas, a partir de então todos teriam exclusividade com a emissora. Atualmente com várias plataformas produzindo muito conteúdo para o mercado brasileiro, alguns artistas conseguiram negociar essa cláusula.


A questão é que, mesmo com investimento zero, Silvio não gostou do resultado de Cortina de Vidro e concluiu que, para conseguir um bom desempenho de audiência e faturamento, precisava investir. Então, importou equipamentos dos Estados Unidos, ofereceu um salário milionário para tirar atores renomados da TV Globo como Lucélia Santos, Ney Latorraca, Fúlvio Stefanini, Edson Celulari... e contratou o dramaturgo Carlos Alberto Soffredini para escrever uma nova novela.

E assim, no dia cinco de novembro de 1990, estreou Brasileiras e Brasileiros, sob direção geral de Walter Avancini e com Carla Camurati, Rubens de Falco, Irene Ravache e Juca de Oliveira nos papéis principais, além dos nomes já citados anteriormente. E tinham outros figurões no elenco, olha só: Antonio Calloni, Daniel Dantas, Marcelo Serrado, Rosi Campos, Zezeh Barbosa, Isadora Ribeiro e Consuelo Leandro.

Além das participações especiais de Fábio Júnior, Paulo Autran, Neusa Borges e Angela Maria.

A história girava em torno de alguns personagens probres que resolveram investir na luta livre feminina, apoiados por alguns personagens ricos falidos, que armaram um esquema ilegal de apostas na luta livre. A proposta de Soffredini era inovadora para a época, ele centrava a trama na periferia de São Paulo, sem glamourizar ou minimizar a pobreza e a violência urbana. O título foi inspirado no bordão do ex-presidente do Brasil José Sarney, que sempre iniciava seus discursos com a frase Brasileiras e brasileiros.


Foram gastos quatro milhões de dólares antes mesmo da novela entrar no ar, e, detalhe, em meio a maior crise economica que o Brasil já passou, durante o Plano Collor. O primeiro capítulo obteve 14 pontos de audiência com picos de 17, o melhor resultado de uma estreia na emissora até então, garantindo a vice-liderança. Mas, segundo o Jornal do Brasil, ao cabo de dois capítulos foi mostrado na tela, de uma só vez, o maior número de desgraças por metro quadrado possivelmente jamais visto numa novela.

A proposta de fazer uma novela centrada na camada pobre da sociedade não rendeu bons frutos. No final do primeiro mês a novela já marcava apenas seis pontos, e chegou a registrar dois em algumas ocasiões. A média geral foi de cinco pontos, menos que a antecessora Cortina de Vidro, que já era considerada um fracasso.

Segundo uma pesquisa, o público achava a história lenta e cheia de desgraças, fato que levou o SBT a afastar Soffredini de sua própria novela em 29 de novembro de 1990. Walter Avancini assumiu temporariamente, condensado vários capítulos gravados em um para acelerar a história, além de tirar o foco dos dramas da periferias e colocar na diferença de classe do romance entre Paula e Totó.

Foi um desastre, que fez com que sua exibição mudasse várias vezes na tentativa de atrair público. Para se ter uma ideia, a novela foi exibida às 18h, 18h30, 17h45, 19h e, quando saiu do ar, passava às 20h. Mesmo mudando tudo, com outro autor, deixando a trama mais próxima dos dramalhões mexicanos que o público já estava acostumado, não funcionou. A novela perdeu público e anunciantes.

Com 25% a menos de faturamento, mas com gastos enormes com o alto custo de produção e os salários milionários do elenco, a emissora entrou em uma grave crise financeira que quase resultou em falência. Como consequência o núcleo de dramaturgia foi desativado, todo o elenco dispensado, 150 profissionais demitidos e as futuras novelas anunciadas, As Mulheres da Minha Vida, João Tenório e Anita Garibaldi, foram canceladas.


Walter Avancini falou em entrevista que ficou bem abatido com a situação porque ele foi chamado no SBT para implantar três faixas de novelas e existiam possibilidades reais para isso. Lamentou ter deixado a comodidade na Globo para criar um núcleo de teledramaturgia paulista, ampliando um campo de trabalho, mas a realidade do mercado foi mais forte.

Não foi só o núcleo de dramaturgia que sentiu o efeito de Brasileiras e Brasileiros. Silvio Santos fez cortes em várias áreas da emissora, o núcleo infantil foi muito afetado. Na época passavam os programas Show da Simony, Oradukapeta, Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si com Mariane, Bozo e Show Maravilha. Com a Simony foi fácil de resolver porque ela mesma optou por sair. Com os apresentadores restantes Silvio pensou em junta-los em dupla para reduzir os custos de produção.

Mara faria um programa com Sergio Mallandro e Mariane faria um programa com o Bozo. Mas em um lapso de sanidade Silvio mudou de ideia e manteve cada apresentador com seu infantil, porém com um plano de redução de custos. Todos usavam a mesma estrutura de cenário, mudando apenas um elemento principal e a disposição da arquibancada onde ficavam as crianças. Sergio Mallandro tinha uma caricatura, Mariane um coração e a Mara o sol. O Bozo foi poupado, talvez não desse para mexer muito com ele porque era um personagem licenciado.

Pouco depois o Sergio Mallandro saiu, foi para a Globo. O Silvio Santos deve ter dado graças a Yawé porque era uma despesa a menos na emissora. E aí colocaram a Mara nas manhãs também. Pra mim foi um pena porque eu gostava bastante, foi melhor para a Angélica que ficou sem concorrência no Clube da Criança.

Brasileiras e Brasileiros só acabou no dia 14 de maio de 1991. As coisas só começaram a melhorar a partir do dia 20 do mesmo mês, quando estrearan as novelas mexicanas Carrossel e Rosa Selvagem que elevaram a audiência de cinco para 25 pontos, atraindo anunciantes outra vez.


1991 foi o aniversário de dez anos do SBT, a data não poderia passar em branco, então eles fizeram aquele pacote de 10 programas que incluia o Sabadão Sertanejo, Programa Livre com Serginho Groisman, Festolândia com a Eliana... 

As contas ainda não estavam fechando no azul, então Silvio Santos não podia se dar o luxo de esperar que alguns programas dessem resultado com o tempo, ele precisava de resultado imediato. E foi assim que o Festolândia, entre outros programas que estrearam nesse pacote, saiu do ar. E o que resolveu mesmo a crise, a solução que salvou o SBT, foi a criação da Tele Sena em novembro de 1991.


Em dezembro de 1993, o Jornal do Brasil publicou que a Tele Sena havia conseguido faturar 50 milhões de dólares em apenas um ano e meio de operação. De acordo com a publicação, os custos para oganizar e distribuir os cartões eram pequenos. Segundo José Carlos Tonin, ex-deputado estadual do PMDB, não havia empreendedorismo mais lucrativo que esse na economia brasileira.

Mas se até então as coisas não estavam sendo fáceis para o Silvio Santos, porque seria com a Tela Sena? Ele teve que enfrentar várias batalhas judiciais para continuar explorando esse produto super invejado. Aqui no canal tem um vídeo sobre o Papa Tudo, que foi uma imitação da Tele Sena e acabou sem entregar prêmios para um monte de gente.

Em julho de 1997, a revista Veja publicou uma matéria dizendo que a Justiça havia decidido que a Tele Sena era um jogo de loteria. Em 2000, Silvio Santos  escreveu uma carta a mão, para os desembargadores do Tribunal Regional Federal (TRF) em São Paulo. Ele contou que em 1991 criou a Tele Sena para cobrir os prejuízos do SBT, que já não conseguia se sustentar e crescer apenas com publicidades e os lucros do carnê do Baú da Felicidade.


Silvio assumiu que sem a Tele Sena, de fato, o SBT teria falido, e que o pacote de filmes da Disney e Warner foi viabilizado pela Tele Sena. Em oito anos o título de capitalização gerou um lucro que sustentava todas as empresas do grupo, que davam prejuízo em razão dos altos investimentos na própria rede de TV e na abertura de novos negócios.


O Jornal Folha de S. Paulo publicou a carta. A Band, em 2006, fez uma série de reportagens contra o SBT, incluindo a Tele Sena, quando os canais pagos do Grupo Bandeirantes foram retirados da operadora TV Alphaville, do Grupo Silvio Santos. E apenas em 2007, por decisão unânime, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da Tele Sena. Bom, nessa altura o SBT já estava entrando em outra crise.

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