Tieta - feita para expor hipocrisia


A novela Tieta foi produzida e exibida pela TV Globo entre 14 de agosto de 1989, a 31 de março de 1990. É considerada a novela de maior audiência da televisão brasileira. A sua média de audiência foi de 65 pontos, e chegava a 70 pontos no IBOPE. Ou seja, de cada 10 televisores ligados, sete estavam ligados na Tieta.

A novela é uma adptação do romance Tieta do Agreste, de Jorge Amado, lançado em 1977. Aguinaldo Silva ficou imcumbido de assinar a trama e contou com a direção geral de Paulo Ubiratan. Teve Betty Faria, Joana Fomm, José Mayer, Reginaldo Faria, Armando Bógus, Lídia Brondi, Bemvindo Sequeira, Yoná Magalhães, Marcos Paulo e Arlete Salles nos papéis principais.


A história se passa na fictícia cidade de Santana do Agreste, localizada próxima à praia do Mangue Seco, na região nordeste do Brasil. Na primeira fase, Tieta é interpretada por Claudia Ohana, como uma jovem sensual e provocativa que passa os dias pastorando as cabras da família. Como o seu pai não aceita o seu comportamento liberal, e influenciado por Perpétua, a sua outra outra filha, lhe dá uma surra e a expulsa da cidade. Ela segue para São Paulo e promete um dia voltar para se vingar.


A sua volta acontece vinte e cinco anos depois, ela reaparece interpretada por Betty Faria, rica e exuberante, e já entra na cidade causando o maior rebuliço porque interrompe uma missa que estava sendo celebrada em sua memória e avisa que chegou para ficar. Como voltou rica e empoderada, aqueles que antes a condenavam passam a cortejá-la. Percebendo que a hipocrisia reina na cidade, ela não poupa meios de provocar os moradores e a própria família.

Tieta não provocou a população só na ficção. Como a censura federal tinha deixado de vigorar a pouco tempo, os autores e produtores estavam enfiando o pé na jaca. Tinha publicidades com nudez, abertura de novelas com gente pelada... inclusive a própria novela Tieta. E o Aguinaldo Silva foi além, ele fez escreveu uma trama que é um caldeirão de polêmicas.


Teve, por exemplo, a Juracy, interpretada por Ana Lúcia Torre, que era hipocondríaca, a pessoa que acha que está sofrendo de alguma enfermidade e precisa constantemente de medicação. Foi abordado o alcoolismo através do personagem Bafo de Bode, interpretado por Bemvindo Sequeira ,e alguns temas mais pesados como foi o caso do coronel Artur de Tapitanga, interpretado por Ary Fontoura, que era um abusador e mantinha algumas meninas em casa, as quais chamava de rolinhas.

E alguns temas iam na jugular do cristianismo, como o fanatismo religioso vivido por Perpétua, Amorzinho, Cinira e Araci, interpretadas por Joana Fomm, Lília Cabral, Rosane Gofman e Andrea Paola. Entre outras personagens. Teve o poliamor entre os personagens Dário, Laura e Silvana, interpretados por Flávio Galvão, Claudia Magno e Claudia Alencar. O concubinato, que hoje recebe o nome bonito e formal de união estável, entre Carol, interpretada por Luiza Tomé, e Modesto, interpretado por Armando Bógus, que também exercia cárcere privado.


Essas coisas até provocavam, mas a personagem da Tieta foi escrita para tocar o terror nos religiosos da época. Ela fez papel de cafetina com a Zuleica Cinderela, interpretada por Maria Helena Dias. Tinha uma moça que convivia com ela a quem apresentava como enteada, a Leonora, interpretada por Lídia Brondi, e hoje nós sabemos que esse termo não define exatamente um vínculo biológico. As cafetinas chamam as suas, digamos assim, cafetinadas, de filhas. Da mesma forma que as drag queens chamam de filhas as drags que elas iniciam nesse ramo artístico.


E não para por aí, só piora. A sua advogada é uma transexual, a Ninete, que foi interpretada por Rogéria. E, para fechar com chave de ouro, no pior dos sentidos, incesto. Tieta tinha uma relação, digamos, inapropriada, com o seu sobrinho que era um seminarista. Aí foi a gota d'água, o tema deu muito o que falar.


Tieta é um bom exemplo do típico novelão, aquela mistura de personagens marcantes, reviravoltas e mistérios que só são revelados no final da trama. Tem, por exemplo, a mulher de branco, uma espécie de assombração que vaga pela cidade e ataca os homens durante a noite, que, na verdade, é uma das residentes da cidadezinha. E tem a revelação do que a Perpétua guarda com tanto carinho em uma caixa, que as vezes retira do armário para matar a saudade do falecido marido.


Outro segredo que Perpétua escondia era a careca que eu acho sem sentido porque não tem nenhuma justificativa dela não ter cabelo. E outra coisa que não dá para não deixar de pensar é em que estado estava a genitália do falecido que ela guardava. Estava embalsamado?

A abertura da novela é uma das mais icônicas da TV. Mostra a então modelo Isadora Ribeiro que toma forma, a partir de efeitos especiais, em meio a paisagem do litoral de Mangue Seco, no norte da Bahia, sob a canção de Luiz Caldas, escrita especialmente para a trama. O título da novela escrito na areia foi uma das escolhas mais bem sucedidas dos produtores, que ultrapassou gerações, já foi reproduzida infinitamente pelos telespectadores. Quem nunca?


Tieta teve dois álbuns musicais como trilha sonora, ambos somente com canções em português. O primeiro disco tem Isadora Ribeiro na capa, que, por sinal ficou muito bonita. Era comum que as capas das novelas tivessem uma composição mais artísticas antes de adotarem o hábito de sempre colocar um dos atores do elenco. São 14 faixas.


O segundo disco tem Betty Faria na capa, são 14 faixas também. E na ocasião da primeira reprise no Vale a Pena Ver de Novo, que aconteceu entre 19 de setembro de 1994 a sete de abril de 1995, a Som Livre lançou um disco intitulado Tieta Especial, contendo as melhores canções das duas trilhas sonoras originais.

No canal Viva, foi reexibida na íntegra entre um de maio a 15 de dezembro de 2017. Depois, em junho de 2012, foi lançada em DVD pela Globo Marcas, e em 8 de junho de 2020, foi disponibilizada no Globoplay.

Curiosidades 

A Tieta existiu de verdade, aliás, o seu nome completo, da personagem e da Tieta da vida real, é Antonieta Esteves Cantarelli. Ela foi uma cafetina que viveu em Assis, uma cidade do interior de São Paulo, onde o escritor esteve pelo menos uma vez em sua casa, em 1974. Ela foi a inspiração de Jorge Amado na criação da protagonista do livro "Tieta do Agreste", lançado em 1977, ano em que a verdadeira Tieta morreu.


A novela foi um projeto de Betty Faria. Ela, em parceria com o diretor Paulo Ubiratan, tinha apresentado a ideia para a Globo com a proposta de fazer uma minissérie, mas o Boni, que era o diretor na época, viu um potencial na história, e sugeriu que a adaptação fosse em forma de novela no horário nobre.


Foram desenhados mais de mil figurinos para a produção, e a fictícia Santana do Agreste era composta por 46 prédios, duas igrejas, oito ruas, duas praças, um circo abandonado e quinze ruínas. Tudo foi construído numa área de 10 000 m², em Guaratiba, no Rio de Janeiro.

Tieta não estrearia na data que estreou. A novela que estava na fila para ir ao ar às 20h30 era Barriga de Aluguel, de Glória Perez, que já tinha sido vetada em 1985, porque na época o Boni achava que a história era muito maluca. E em 1989 ele achou que a novela era excessivamente dramática para o horário e as anteriores já tinham sido na mesma linha, então, foi descartada outra vez.

Isso fez com que Aguinaldo Silva escrevesse Tieta as pressas. Depois que ele aceitou o convite para fazer a adaptação é que lhe disseram que até a estreia a produção tinha dois meses apenas para entregar os primeiros capítulos. E quando as gravações começaram a cidade cenográfica ainda estava em construção, o que obrigava o diretor a gravar cenas externas com planos mais fechados para esconder as obras.

A direção da TV Globo convidou o produtor polonês Zbigniew Rybczynsky para reproduzir como abertura da novela a sua obra chamada The Fourth Dimension, e ele se recusou. Mas, a produção da emissora utilizou a sua técnica assim mesmo, sem o seu consentimento.

Isadora Ribeiro disse em entrevistas que precisou ficar algumas horas nua para a gravação da vinheta, e para acostumar os profissionais envolvidos coma sua nudez ficou, mais ou menos, meia hora desfilando nua pelo set de filmagens.


Em 1996, o diretor Cacá Diegues dirigiu o filme Tieta do Agreste, baseada no livro homônimo de Jorge Amado com a atriz Sonia Braga no papel principal e Marilia Pera como Perpétua. Na época, uma crítica da revista Veja disse que a novela era melhor.

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