Priscilla a Rainha do Deserto

Em 1994, estreou nos cinemas o filme Priscilla a Rainha do Deserto que foi um divisor de águas na sociedade da época, e da história em geral também. O filme conta a história de três drag queens, das quais uma é mulher trans, que embarcam em uma viagem de ônibus através do deserto australiano, de Sydney até Alice Springs, para realizar um show. Priscila é o nome escolhido para o ônibus com o qual fazem a viagem.

A jornada é feita por Mitzi Del Bra, Felicia Jollygoodfellow e Bernadette Bassenger. Os três enfrentam o calor, a poeira e o preconceito de algumas comunidades, mas encontram também apoio e situações inusitadas pelo caminho. O diretor Stephan Elliot foi pioneiro em abordar questões de identidade de gênero e sexualidade, temas que, na época, ainda eram considerados tabu em muitos lugares, de maneira leve e colorida, através do poder da amizade e da importância de ser fiel a si mesmo, mesmo quando o mundo ao redor parece hostil.

Stephan Elliot nasceu em 1964, portanto, cresceu em meio a uma cultura que predominava nos anos de 1970, muito machista onde a homossexualidade não era tolerada e ninguém sofria nem um tipo de punição por agredir um homossexual, mas o sexo entre homens rendia uma pena de 14 anos de prisão, além de uma surra que era maior do que os anos de cadeia. E quando alguém era vitimado fatalmente, a polícia simplesmente encerrava o caso como suicídio ou morte por acidente.

Ainda assim, haviam lugares clandestinos onde homens se apresentavam vestidos de drag queen e a partir dos anos de 1980, eles começaram a tomar coragem para se expor e fazer apresentações em locais públicos mesmo com os ataques frequentes, o que era ainda pior fora da cidade de Sidney.

Stephan escreveu o filme com base em personagens reais que conheceu nas noites da cidade e até mesmo de experiências pessoais ao sair da bolha em que vivia, como demonstrado no filme na cena em que uma mulher diz que os personagens não poderiam ficar dentro de um bar, que lá não era um lugar para eles.

Essa experiência serviu para um primeiro rascunho do filme. Depois ele foi atrás de uma das drag queens que via sempre nas noites, a Cindy Pastel, que ao acabar a sua apresentação não quis conversar, mas lhe passou seu endereço para que conversassem outro dia. Foi quando Stephan descobriu que Cindy tinha um filho pequeno e resolveu reescrever o roteiro.

Ele sabia que para abordar temas sérios e provocativos teria que usar de alguns apelos, isso ficou a cargo do figurino extravagante e inovador que foram desenhados por Lizzy Gardiner e Tim Chappel que receberam um Óscar pelo trabalho, além de uma boa trilha sonora. As canções pop e disco dos anos 1970 e 1980 deram ainda mais energia e vida à narrativa. Teve ABBA, Village People... e obviamente não poderia faltar o hino I Wil Survive de Gloria Gaynor.

Cada um tem uma personalidade distinta, Anthony, a drag Mitzi, foi interpretado por Hugo Weaving é o que mantém o equilíbrio entre o trio, pois Adam, a drag Felícia, que foi interpretado por Guy Pearce faz o tipo espalhafatoso que não consegue passar desapercebibo e Bernadette que foi interpretada por Terence Stamp, é uma mulher transexual, a mais elegante de todos.

Os personagens descobrem no caminho que a mulher que os contratou é mãe do filho de Anthony, que ainda não o conhece pessoalmente. Até chegar ao destino eles passam por diversas situações, o ônibus quebra e os três artistas ficam a mercê da sorte em meio ao deserto. Conseguem ajuda de Bob que conserta o veículo e passa a viajar com o trio e acaba se apaixonando por Bernadete.

O filme é apresentado como comédia, mas na verdade é triste. O tema que conduz toda a trama é o medo que ronda permanentemente os três homens durante todo o trajeto. Tem humor, mas é um filme profundamente emocional. Pois, os personagens enfrentam rejeições e incertezas, mas encontram consolo um no outro, mostrando que família pode ser algo construído por laços de escolha.

A mensagem de aceitação e a celebração da diversidade conquistaram audiências no mundo todo. O impacto cultural de Priscilla, a Rainha do Deserto ultrapassou as fronteiras do cinema, tornando-se um marco na representação LGBT+ na mídia e um símbolo de resistência e autenticidade para as futuras gerações. Continua sendo uma obra influente e querida e já foi adaptada para um musical que já ganhou versões em diversos países.


Curiosidades


O financiamento para o filme foi recusado por todos os órgãos de cinema da Austrália. Só em 1993, Stehphan conseguiu um empréstimo e juntou todas as economias que pode para dar início as filmagens.

O primeiro ator que concordou com a história foi Hugo Weaving que fez o papel de Anthony inspirado na drag Cindy Pastel. Entre os diversos filmes que fez está o personagem Agente Smith da série Matrix e o Caveira Vermelha do filme Capitão América O Primeiro Vingador.

Depois dele Guy Pearce, que contrariando as orientações de seus agentes, juntou-se ao projeto. Dentre os vários filmes em que atuou estão: Iron Man 3 como Aldrich Killian, o Mandarim, e O Discurso do Rei onde interpreta Príncipe de Gales David, depois o Rei Eduardo VIII e também o príncipe Eduardo, Duque de Windsor.

O terceiro dos protagonistas a entrar no projeto foi Terence Stamp. Com ele as negociações foram mais delicadas porque a produção até conseguiu outros atores que estavam dispostos, mas não se encaixavam no personagem e Terence não estava convencido, ele tinha medo do que poderia acontecer com a sua carreira e impôs uma condição, que o seu par romântico fosse o ator Bill Hunter.

Os dois eram grandes amigos, mas Bill Hunter passou 30 anos rodando o mundo, então, Terence Stamp viu o filme como uma forma de reencontrar o amigo e talvez a última oportunidade de trabalharem juntos.

Dentre os seus vários filmes, estão: Superman como o General Zod e Star Wars: Episódio 1 – A Ameaça Fantasma como Chanceler Supremo Finis Valorum.

O medo de Terence estava impedindo que ele conseguisse construir seu personagem, então pediu ajuda a Robyn Lee, uma transexual, com passava algumas horas observando seus gestos e suas atitudes o que lhe ajudou, mas não espantou o medo, então o diretor o impediu de ser ver em espelhos ou qualquer gravação quando estivesse caracterizado para que se sentisse mais a vontade. Essa sensação de insegurança o seguiu até a primeira gravação em local público quando subiu ao palco vestido de drag queen.

Os outros dois atores também passaram por uma experiência de laboratório, ambos, Hugo e Guy, passaram uma noite em uma discoteca travestidos de drag queen.

A cena mais icônica do filme, de Mitzi dublando ópera no teto do ônibus em movimento com um tecido super longo flamulando ao vento foi inspirado na sensação de liberdade e êxtase que as baladas propiciavam aos frequentadores das casas noturnas, mas quase ficou fora do filme.

Como não havia vento, o tecido se arrastava no chão, o que oferecia risco ao ator, então, por segurança, seria cortado. E justo no momento em que o figurinista estava com a tesoura na mão, prestes a cortar o tecido, ventou.

A frase que Rupaul costuma utilizar no reality Drag Race, "Acendam seus motores e que ganhe a melhor drag queen" foi retirada de uma cena do filme Priscila, quando os três amigos iniciam a viagem.

O Reality Caravana das Drags produzido e exibido por Prime Vídeo com apresentação de Xuxa e Ícaro Kadoshi também beberam da fonte de Priscila. A ideia de levar as drag queens de uma cidade a outra é uma clara alusão ao filme.

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