As alças da mente.

O pensamento pode voar, mas a mente gosta mesmo é de uma prisão.

A mente gosta de prender-se voluntariamente a tudo o que não muda, ao que permanece, ao que se repete e ao que é sempre igual. Por isso, a mente adora lembranças e memórias. Porque o passado já passou e não pode ser mais mudado. O passado é permanente. A mente acha isso o máximo.

É como administrar uma empresa onde nada pode dar errado. O medo da mente é justamente este, administrar imprevistos. Outra coisa que a mente ama de paixão é o padrão, porque como o nome já diz, o padrão não muda. Um metro, uma hora, o mesmo caminho para o trabalho, voltar ao mesmo restaurante e sentar à  mesma mesa, são padrões que toda mente humana gosta de repetir.

Ah, que prazer que a mente sente quando a bunda senta na mesma cadeira que sentou na aula anterior! A repetição dá segurança, porque cria a falsa ilusão de que nada vai mudar.
E se nada mudar, nada de ruim poderá acontecer. Tudo será igual, com o mesmo final feliz, como antes. Crianças adoram ver filmes mil vezes porque se sentem seguras, porque podem antecipar as próximas cenas (se na vida fosse assim...) e porque tem certeza de como a história terminará.

Já as mentes adultas, especialmente as obsessivas em qualquer grau, adoram a matemática. A matemática é a única ciência exata e imutável. Enquanto a física e química, a biologia, por exemplo, estão sujeitas a variáveis da vida real, a matemática continua igual.
Daí o fato de que toda mente obsessiva gosta de contar, manipular números. As contas são sempre exatas, não mudam.

E se você contar todos os passos e chegar direitinho a  padaria com seus mil passos, então, podemos concluir que sua mãe não vai morrer e nada vai dar errado no seu dia.
Certo? Errado. Errado porque a mente vive num mundo irreal. Mundo da mente é como caspa, só existe na sua cabeça. Tudo é mera ilusão. E, com perdão do excesso de realidade fisiológica, o mundo está cagando e andando pras suas ilusões mentais.

Como o mundo já provou, uma batida de asas de borboleta na África pode influenciar mais a ocorrência de um tsunami na Ásia do que sua contagem de azulejos no banheiro. Porque a borboleta é real e seu pensamento, não. O problema é que a mente não quer nem saber disso e provavelmente muitos já terão abandonado este texto nas primeiras linhas. Espertos, porque sabem que vou contar um segredo sobre eles: a mente fabrica alças.
Sim, alças , onde ela, a mente, possa se apegar.

Uma alça, como aquele "puta que o pariu" do carro, onde a gente segura a vida quando o motorista não é de confiança. Como o Santo Antonio dos jipes. A alça pode ser um nome, um amuleto, uma mania, uma repetição qualquer. A mente é chata, mas criativa, e assim, inventou a alça-sem-mala. Nesta alça ela se apega até a morte.

É uma crença, um dogma, uma frase feita, um chavão, um lugar-comum: "Angélica (do Hulk) ficou mais bonita depois que teve filho"; "Vaso ruim não quebra"... Qualquer alça é boa pra mente: "A cadeia é a universidade do crime", "Direituzumanu só tem bandidu"...

Se a mente se acha fraca, ela inventa uma alça para se sentir forte, tipo: "Sou feia, mas tô? na moda". A mente inventa que se a pessoa perder dez quilos vai ser feliz e tudo vai certo na vida. Troca nomenclaturas, pra se sentir por cima. Porque uma coisa é dizer que você tem TOC e outra coisa é assumir que você é um obsessivo chato, que ninguém aguenta conviver a seu lado e por isso você precisa de tratamento sério com remédio e tudo mais.

A mente inventa alças pra não cair em si. Mas cair em si é a única forma de tomar consciência - primeiro passo para melhorar. Portanto, remova todas as alças. Caia. Caia em si.

Tá gordo? Tá gordo, então, vamos emagrecer. Tá infeliz? Sai dessa, viva a vida, aproveite. Tá duro? Bora ganhar dinheiro'.

Só não fique aí, com essa cara de passageiro do circular da eternidade, vendo a vida passar na fresta da janelinha de um  ônibus cheio, segurando firme na alça do medo, pois você tem que dar o sinal e descer para a liberdade do imprevisível.

(Rosana Hermann).

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